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"O último encontro"
Por Selma Calasans Rodrigues
En Folhetim, nº 472, 23/11/1986

 

"No leito do Health Center de Yale, cercado de livros, papéis, e dos vinte volumes do semanário uruguaio Marcha, Emir ainda escreveu, fez planos, deu ordens. Ele não desejava, em torno dele, uma atmosfera de tristeza. Sempre paródico, pediu-me que eu não me angustiasse, pois ele queria ter um happy end -como nosso casamento. A parte de sua biblioteca destinada a mim, disse-me, era para que eu continuasse o nosso trabalho compartilhado, uma vez que nossa relação, além de todos os ingredientes de carinho, a havia incluído. Eu vigiava os seus menores movimentos. Ele frequentemente ressonava. Mas, de repente, dizia alguma coisa tão lúcida, que parecia estar emergindo de uma longa reflexão: "Voçê leu aquele livro de Rilke? (…) A gente sente a morte crescer dentro do corpo, como a mãe sente o filho crescer na barriga".

Nosso último encontro se deu no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, rumo ao Uruguai. Nós que havíamos vivido atormentados pela separação geográfica, empreendíamos juntos essa volta a pátria, com o firme propósito de não mais nos separarmos.

Em poucos minutos eu já me havía refeito do choque inicial. Emir conversava fazendo planos fantásticos. Como o de escrever os seis tomos restantes de suas memórias. A cabeça estava intacta, como se tivesse uma vida isolada do corpo, "quase despojado de sua carnalidade" (Ruben Cotelo, Jaque, 21/11/85). Sempre o mesmo, era o Emir, brilhante e irônico, carinhoso e sedutor, controlador e agressivo (o lado basco da sua personalidade, segundo ele mesmo). Estava inteiro.

A desejada volta vinha sendo planejada desde a re-democratização do Uruguai, mas se concretizou, de fato, com a iniciativa da professora Lisa Block de Behar (que foi aluna de Emir) de organizar um seminário internacional sobre teoria e crítica literária. Cabia a Emir falar sobre a escola de Yale, o desconstrucionismo. Esse seminário foi adiado sine die, em função das duas intervenções cirúrgicas sofridas por ele (entre março e maio), finalmente sendo marcado para dezembro, mas teve que ser antecipada para começo de novembro devido ao agravamento do seu estado de saúde.

Na confortável casa de Carrasco da professora Lisa, Emir foi incansável: recebeu jornalistas, familiares e amigos, além de jovens poetas, deu entrevistas quase diariamente. Sempre disposto a trabalhar, orientou estudos literários, ditou um prólogo, uma conferência, etc, marcando desse modo a sua presença viva e, na justa observação de Rubem Cotelo, estava ele "confiante como sempre em sua memória, em sua erudição, na ordem perfeita de sua inteligência, no uso flexível e cômodo das categorias de análise, na veteranice eloquente do professor que sabe exercer todas as formas do rigor, que manipula seu auditório, ainda que seja ele composto por um único e solitário interlocutor" (Jaque, 21/11/85).

Finalmente, na segunda-feira, 4/11, os uruguaios homenagearam este compatriota obstinado que havia traçado os contornos da mais importante geração crítica uruguaia, a de 45, Julio Maria Sanguinetti entregou-lhe uma medalha com um comovido abraço em nome de seu povo. Em seguida, no auditório Vaz Ferreira da Biblioteca Nacional de Montevidéo, Emir retribuiu oferecendo a seus país a última conferência que faria. Cativou e conquistou o auditório, ensinou, divertiu, polemizou, falando sobre "Borges, de Man, Derrida, Bloom: a desconstrução Avant et Aprés La Lettre".

 

Responsables

L. Block de Behar
lbehar@multi.com.uy

A. Rodríguez Peixoto
arturi@adinet.com.uy


S. Sánchez Castro
ssanchez@oce.edu.uy

 


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