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"Emir, o ‘gaucho’ "
Por Irlemar Chiampi
En Folhetim, nº 472, 23/11/1986

 

"Rara vez acontece de um intelectual latino-americano alcançar o primeiro plano na cultura, sendo exclusivamente um crítico literário. Emir foi um deles; porque acreditava que a literatura é um dos lugares decisivos onde as sociedades elaboram o seu destino e, especialmente, que o da América Latina se encontra cifrado na escritura dos seus poetas, narradores e ensaistas. Creio ter sido esse enigma que alentou o seu orgulho em identificar-se sempre como crítico, quando muitos preferiam pertencer à categoria de scholar ou de escritor-crítico, mais prestigiosas pelo menos de 60 para cá. Recordo que, a cada vez que num congresso de especialistas, alguém decretava a morte da crítica, levantava-se a figura imponente do gaucho Emir, para falar "como representante da espécie exinta". Com essa obstinação, construiu, pacientemente, durante quatro décadas, a sua trajetória de estrela maior da crítica continental. Os seus artigos e resenhas -desde as páginas literárias de Marcha ou El País, que dirigiu sucessivamente de 1945 até o inicio dos anos 60, das de Mundo Nuevo, que dirigiu em Paris de 1966 - a 68, ou das dos numerosos periódicos em várias línguas onde colaborou infatigavelmente-foram sempre uma fonte indispensável de informação e referência. Neles, divulgou, avaliou e intrepretou textos, definiu correntes e tendências, propôs caminhos, influenciou a criação e orientou a pesquisa. Formou leitores e lançou escritores, com a sua sensibilidade aguçada para o novo e experimental; gostava de tecer correlações, contextualizar as obras e provocar o diálogo entre o presente e o passado. Foi combativo e polêmico, às vezes belicoso, com a sua maneira de pelear com malícia criolla, temperada com o humor britânico. Com a sua paixão pela literatura (que repetiria mil vezes ter sido modelizada pela descoberta, em 1938, do então desconhecido Borges) perfilou o seu estilo de Mestre autêntico, sem fronteiras, cujo saber e imaginação provinham tanto das suas infinitas leituras, como da vivência literária efetiva, que incluía o convívio com escritores como Borges, Neruda e Octavio Paz, entre outros.

Ao contrário do que muitos pensam, a obra de Emir vai muito além da militância periodística. Em trabalhos de grande erudição e rigor acadêmico, como a edição das Obras Completas de Rodó (1954), Las Raíces de Quiroga (1963), El Viajero Inmóvil: Introducción a Pablo Neruda (1966), El Otro Andrés Bello (1969), o premiado Jorge Luis Borges: a Literary Biography (1978), desenvolveu, em profundidade, o seu projeto de reconhecer as coordenadas da modernidade latino-americana, desde o romantismo até a atualidade. Deu continuidade à tarefa de um Pedro Henríquez Ureña, integrando a literatura brasileira à sua reflexão e docência. A Borzoi Anthology of Latin American Literature (de Colombo ao século 20, 1977) é um exemplo dessa preocupação abrangente e vertical.

O Brasil desempenhou um papel fundamental na reaproximação física de Emir com o mundo sul-americano, do qual se afastara nos últimos 25 anos. Desde 1975 (quando o conheci em Madri e tive a oportunidade de trazê-lo para dar conferências na USP) mantivemos uma sólida amizade e desenvolvemos intensa colaboração no trabalho. Entre nós extendeu a sua atividade e o seu paideuma e consolidou o seu círculo de amigos e admiradores, nas múltiples visitas que nos fez. O seu retorno nostálgico ao Uruguai, quinze días antes da su morte, completou e culminou, de certo modo, esse reencontro com as raízes. Comoveu-nos a sua agonia e a sua bravura, mas Emi triunfou uma última vez diante do público que lotava a Biblioteca Nacional. E ao receber a homenagem do povo uruguaio das mãos do presidente Sanguinetti, não vacilou em completar o seu agradecimento, dizendo: 'Tomara que haja sempre uruguaios obstinados o bastante para serem críticos'."

 

Responsables

L. Block de Behar
lbehar@multi.com.uy

A. Rodríguez Peixoto
arturi@adinet.com.uy


S. Sánchez Castro
ssanchez@oce.edu.uy

 


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